quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Referendo na Suíça votará renda mínima de R$ 6,6 mil até para desempregados


A Suíça, um dos países mais ricos do mundo, está engajada em um processo intenso de exame de consciência. O motivo? Dinheiro.

Só neste ano foram realizados dois referendos nacionais sobre a redução de salários de grandes executivos, um dos quais aprovou limites para os tamanhos dos bônus que eles recebem.

Agora, duas novas propostas de referendos estão sendo avaliadas. A primeira diz respeito à introdução de um salário mímino; e a segunda, mais polêmica, é sobre a garantia de uma renda básica universal, que pode chegar a 2.500 francos suíços (R$ 6,6 mil) por mês para todos os residentes legais do país, trabalhadores ou desempregados.

A ideia de uma renda básica universal pode parecer radical, mas não é nova. Thomas More já havia feito essa proposta em seu livro Utopia, do século 16.

Sob a ótica da esquerda, uma renda básica universal é tida como justa, enquanto a direita diz que a iniciativa tornaria obsoletos os benefícios do Estado-Providência.

'Hora e lugar perfeitos'

Para o suíço Enno Schmidt, um forte defensor da renda universal, o país é o lugar perfeito e 2013 e a hora certa para lançar uma campanha do tipo.

"A Suíça é o único lugar na Europa, e talvez no mundo, onde as pessoas têm o direito fazer algo se tornar realidade por meio da democracia direta", disse.

O sistema de democracia direta significa, por exemplo, que, se quisessem, os suíços poderiam votar para obter cerveja de graça. Para realizar um referendo popular, basta reunir 100 mil assinaturas. Feita a votação, o resultado deve ser automaticamente aplicado.

'Terra feliz'

O debate sobre salários e sobre a justiça desses pagamentos foi inflamado no país quando veio à tona a notícia de que muitos de seus bancos, como o UBS, continuaram pagando altos bônus a seus maiores executivos, enquanto a instituição em si amargava grandes prejuízos.

Diante isso, não foi difícil reunir 100 mil assinaturas para levar o referendo sobre a renda universal adiante, e se espera que o governo anuncie em breve a data da votação.

Alguns empresários suíços não gostaram da ideia e a apelidaram de "terra feliz", inferindo que a proposta seria produto de uma geração mais jovem, que nunca experimentou uma grande recessão econômica ou onda de desemprego.

Muitos também sugeriram que a proposta pode desestimular as pessoas a trabalharem, algo que pode ser um problemas para empresas suíças que já enfrentam dificuldades para recrutar funcionários.

Schmidt nega que isso possa acontecer, alegando que o valor da renda mal daria para se sustentar. Ele afirma ainda que uma sociedade em que as pessoas trabalham somente porque precisam ganhar dinnheiro "não é melhor do que um sistema de esravidão".

Ele argumenta que a renda universal daria às pessoas mais liberdade para decidir o que querem fazer.

"A lógica não é a de que as pessoas vão trabalhar menos. As pessoas serão mais livres para decidir se trabalham mais ou menos."

Este argumento encontrou muito entusiastas entre o eleitorado jovem. Eles lançaram uma campanha curiosa, reunindo 8 milhões de moedas de cinco centavos que viajaram o país, como um símbolo de que a Suíça pode arcar com uma renda universal para seus 8 milhões de habitantes.

'Suicídio'

Che Wagner apoia a ideia. Aos 25 anos, ele é estudante da Universidade de Zurique e trabalha para um empresa que entrega pizzas.

"Eu tenho uma filha", diz. "E claro que faço tudo por ela, mas é uma luta. Eu tenho que trabalhar para vivermos com certo conforto."

"Eu acho que com uma renda básica eu ainda teria de trabalhar, mas também poderia dizer de vez em quando: vou passar uma semana com minha filha."

E quando Wagner e seus colegas despejaram as moedas diante do Parlamento suíço, em Berna, os políticos que lá estavam não ignoraram a campanha.

Segundo os líderes da campanha, a longo prazo, poderia haver inclusive economia de dinheiro, porque a renda universal substituiria benefícios sociais já em vigor.

No entanto, a principal motivação por trás da campanha não é econômica, mas, sim, cultural - é uma tentativa de fazer as pessoas pensarem mais sobre a natureza da vida e do trabalho.

Wagner afirma que esse debate pode deixar algumas pessoas desconfortáveis, por apresentar possibilidades que até então eram inimagináveis.

"A ideia é chegar a uma questão pessoal: o que você está fazendo com a sua vida, é realmente isso que você quer?"


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