domingo, 16 de fevereiro de 2014

DANO MORAL: REFLEXÕES SOBRE O INSTITUTO NA ÓRBITA TRABALHISTA

Natureza da responsabilidade do empregador

A responsabilidade do empregador, que por sua ação ou omissão implique dano moral, é de natureza contratual. Isso porque as determinações legais, inclusive aquelas previstas pelo Direito Civil, mas aplicáveis à relação de trabalho, incorporam-se automaticamente ao pacto laboral em forma de cláusulas contratuais.
O efeito da identificação da natureza jurídica da responsabilidade civil do empregador é de atribuir-lhe o ônus da prova em relação à inexistência do elemento subjetivo, mais precisamente o dolo ou a culpa.
Registre-se que a responsabilidade objetiva, inclusive a de cunho trabalhista, só é admitida nas hipóteses expressamente previstas em lei ou quando a atividade do ofensor implicar risco para os direitos de outrem, na forma preconizada pelo art. 927, parágrafo único, do Código Civil:

Art. 927. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente 
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Em razão disso, é de extrema importância identificar a natureza jurídica da responsabilidade do ofensor, se é contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva.

Conceito
O dano moral corresponde ao resultado de uma ação ou omissão que implique, de forma necessária, ofensa a um bem não avaliável economicamente. Quando esse dano efetiva-se em decorrência do cumprimento de obrigações derivadas da execução e extinção do contrato de trabalho, seja pelo empregado ou pelo empregador, recebe a denominação de dano moral trabalhista, classificado como efeito indireto ou conexo do contrato de trabalho.
Os principais bens dessa natureza são: a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, que são tutelados pela atual Carta Maior, em seu art. 5º, X, além da incolumidade física e psíquica da pessoa.

Ação ou omissão ofensiva
A ação ou omissão que implique dano ao patrimônio não-econômico do empregado pode ser efetivada tanto pelo próprio empregador quanto por seus prepostos, que exerçam ou não cargo de direção, desde que tenham atrelamento direto com a atividade empresarial.
Desse modo, a empresa responde, também, por omissões e atos praticados pelos seus diretores, gerentes, chefes e demais colegas de trabalho do empregado ofendido, na forma prevista pelo art. 932, III, do Código Civil: “São também responsáveis pela reparação civil: III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.

Espécies de dano moral e sua prova em juízo
O agravo aos bens de natureza ideal pode gerar o dano moral puro, representado pela dor subjetiva não detectável ou aferível externamente por terceiros. Por conta disso, não há como provar, materialmente, o dano moral puro, de natureza interior.
Em tais situações, o julgador deve valer-se das regras da experiência, daquilo que normalmente acontece (presunções hominis), para reconhecer a existência do dano, na forma prevista pelo art. 335 do CPC:

A jurisprudência dominante posiciona-se nesse sentido:
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – COMPROVAÇÃO – Comprovada a existência de dano e de nexo causal com a conduta ilícita praticada pelo Reclamado, o abalo moral, subjetivo e psicológico, prescinde de comprovação fática.[2]
Conclui-se, assim, ser equivocada a decisão interlocutória do juiz no sentido de valer-se de elementos probatórios, principalmente o testemunhal, para aferir o grau de tristeza, infelicidade, perda da autoestima ou incômodo da vítima, como se tais elementos fossem detectáveis por meio dos sentidos.

Pode ocorrer, entretanto, que o dano moral puro venha acompanhado de outra espécie de dano, como o dano físico, incluindo o estético. Muito comum nos acidentes do trabalho, o dano físico consiste naquele provocado a algum órgão do corpo humano do ofendido (lesão corporal ou perturbação funcional), podendo ser constatado a “olho nu”, como a perda de um braço, por exemplo, ou por meio de exames médicos, nas hipóteses de perturbação funcional.
Nesse último caso, a prova em juízo é feita por meio de perícia médica. Já na primeira hipótese, trata-se, também, de dano estético, tendo em vista que altera a forma considerada “normal” do ser humano, modificando o padrão biológico e social de beleza.
Conclui-se, assim, que dano moral e estético não são institutos distintos. O que existe, no caso, é uma relação de gênero e espécie, ou seja, todo dano estético é um dano moral, mas nem todo dano moral é considerado dano estético.
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Dano moral e mero dissabor, aborrecimento ou transtorno
Efetivamente, a relação de emprego constitui campo bastante fértil para a ocorrência do dano moral, levando-se em consideração, principalmente, o estado de subordinação do empregado e o exercício do poder de direção do empregador.
Como consequência dessa constatação, deve-se estabelecer e identificar os limites da atuação patronal, para que não se ofenda o princípio da dignidade humana do trabalhador, coibindo atos humilhantes e vexatórios, e, ao mesmo tempo, resguardando o ius variandi do patrão.
Nem toda atitude empresarial mais enérgica pode ser classificada como causa de dano moral, a despeito de desagradar e aborrecer o empregado. Gestos e palavras de caráter organizacional, fiscalizatório ou disciplinar, que estejam dentro dos limites da razoabilidade, são considerados como mero dissabor, aborrecimento ou transtorno, que, apesar de atingir em grau leve o patrimônio ideal do empregado, não representa uma ofensa indenizável.
Seguem alguns exemplos fornecidos pela jurisprudência:
DANO MORAL. INDEVIDO. Mero dissabor, aborrecimento, desconforto emocional e mágoa, extrapolam o conceito de dano moral, não configurando lesão a direito personalíssimo a autorizar a compensação indenizatória.[4]
Dano moral. Indenização. Não cabimento. O dano moral não decorre de qualquer dissabor, de qualquer contrariedade ou adversidade. Exige, ao contrário, grave e clara agressão ao patrimônio moral. Hipótese em que a recorrente refere situações que fazem parte da vida de qualquer um. Dificuldades, aborrecimentos, angústias e tropeços, tudo isso é da própria condição humana e de quem vive em sociedade. Recurso do autor a que se nega provimento.[5]
No mesmo sentido, o inadimplemento do empregador, no que diz respeito às verbas tipicamente trabalhista (salário, 13º salário, FGTS etc.), não gera, por si só, dano moral. Aceitar tese contrária implicaria banalizar a aplicação desse importante instituto, visto que, em qualquer situação, o dano material viria acompanhado de dano moral.
É necessário, pois, fixar limites, sob pena de admitir-se que toda violação de direitos ou interesses, de natureza contratual ou não, teria cunho de ofensa moral, circunstância que tornaria a indenização respectiva um mero acessório da indenização por danos materiais.
Por isso, o inadimplemento contratual deve vir acompanhado de uma ação ou omissão, que caracterizaria o plus ofensivo, necessário para a constatação de uma ofensa moral indenizável.
A classificação do dano moral em mero dissabor equivale à adoção do princípio da insignificância ou da bagatela do Direito Penal no Direito do Trabalho, o que exige o exame de cada caso para verificação ou não da gravidade da conduta ofensiva.
Registre-se, por fim, que determinadas condutas do empregador podem ser consideradas como antijurídicas sem que sejam classificadas como produtoras de dano moral indenizável. A responsabilidade civil, seja contratual ou extracontratual, exige o dano como elemento para sua configuração, o que não ocorre, necessariamente, com as ações antijurídicas, que prescindem do dano ou prejuízo para serem assim consideradas.
Quando, por exemplo, o empregador deixa de registrar a jornada de trabalho dos seus empregados em sistema manual, mecânico ou eletrônico, apesar de possuir mais de 10 trabalhadores no estabelecimento, pratica ato antijurídico, mas não pode ser condenado a pagar uma indenização aos empregados em razão dessa omissão. Nesse caso, a sanção é, exclusivamente, de ordem administrativa.

Indenização
A indenização por danos materiais tem o objetivo de recompor o patrimônio econômico do ofendido, tendo como parâmetro a diferença monetária entre o estado atual e aquele existente antes da ofensa (dano emergente) ou aquilo que deixou de ingressar no patrimônio econômico da vítima, por conta da ação ou omissão do ofensor (lucro cessante).
Já a indenização por danos morais tem dupla finalidade: pedagógica e compensatória. No primeiro caso, a condenação do ofensor funciona como punição, objetivando evitar que ações idênticas ou semelhantes não mais se repitam. Já o caráter compensatório da indenização tem o escopo de propiciar conforto e alegria ao ofendido, como forma de contrabalançar a tristeza e o desconforto sofrido em decorrência da ação lesiva.
Diante da conhecida dificuldade para se fixar o valor da indenização por danos morais, considerando, principalmente, a natureza não econômica do bem violado, o juiz deve utilizar o seu prudente arbítrio, observando os seguintes critérios: a razoabilidade, a proporcionalidade, a extensão do dano, o grau da culpa, e a capacidade financeira do ofensor e do ofendido, de forma que não seja irrisório nem importe enriquecimento ilícito da vítima.
Em se tratando de dano moral na relação de emprego, a indenização pode ser fixada em quantidade de salários do obreiro e não, necessariamente, em número de salários mínimos, como comumente se observa nos casos apreciados pela Justiça Ordinária.
Ainda que seja fixada em salários mínimos, a condenação deve ser convertida ao valor em moeda corrente à época da decisão, aplicando-se a partir de então os índices de correção monetária. Tal procedimento é necessário para não afrontar o princípio constitucional da desvinculação do salário-mínimo para efeito de atualização, como vem decidindo o STF reiteradamente.
Considerando que, não raro, as ofensas morais perpetradas pelo empregador possuem caráter de continuidade, o tempo de serviço, a depender do caso concreto, pode servir como elemento para definir o valor da consequente indenização.
Como a apreciação valorativa do juiz efetiva-se no momento da condenação, por meio da sentença, a atualização monetária do valor respectivo deve levar em consideração esse momento e não aquele concernente à data em que o dano efetivamente ocorreu.
Nesse sentido é o entendimento do STJ, explicitado por meio da Súmula 362: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.
O TST adotou posição intermediária em relação a essa questão, por meio da Súmula nº 439:
Súmula no 439 do TST. DANOS MORAIS. JUROS DE MORA E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e27.09.2012 
Nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Os juros incidem desde o ajuizamento da ação, nos termos do art. 883 da CLT.
Diante do seu caráter nitidamente indenizatório e por expressa disposição legal contida no Decreto 3.000/99, art. 39, XVII, os valores recebidos a título de indenização por danos morais por acidente do trabalho não sofrem a incidência do imposto de renda.
Esse é o posicionamento dominante na doutrina e na jurisprudência:
Não incide imposto de renda sobre o valor da indenização pago a terceiro. Essa ausência de incidência não depende da natureza do dano a ser reparado. Qualquer espécie de dano (material, moral puro ou impuro, por ato legal ou ilegal) indenizado, o valor concretizado como ressarcimento está livre da incidência de imposto de renda. A prática do dano em si não é fato gerador do imposto de renda por não ser renda. O pagamento da indenização também não é renda, não sendo, portanto, fato gerador desse imposto. (...) Configurado esse panorama, tenho que aplicar o princípio de que a base de cálculo do imposto de renda (ou de qualquer outro imposto) só pode ser fixada por via de lei oriunda do poder competente. É o comando do art. 127, IV, do CTN. Se a lei não insere a “indenização”, qualquer que seja o seu tipo, como renda tributável, inocorrendo, portanto, fato gerador e base de cálculo, não pode o fisco exigir imposto sobre essa situação fática. (...) Atente-se para a necessidade de, em homenagem ao princípio da legalidade, afastar-se as pretensões do fisco em alargar o campo da incidência do imposto de renda sobre fatos estranhos à vontade do legislador” (“Regime Tributário das Indenizações”, Coordenado por Hugo de Brito Machado, Ed. Dialética, pg. 174/176).[6]
A seguir, o resumo com as principais características da indenização por danos morais:
Principais características da indenização por danos morais:


•  Natureza jurídica

•   Pedagógica: funciona como punição do ofensor, com o objetivo de evitar a repetição da ação ou omissão danosa
•   Compensatória: visa proporcionar conforto e alegria ao ofendido para compensar uma tristeza sofrida em decorrência da ação lesiva
•   Critérios para fixação


•   Razoabilidade
•   Proporcionalidade
•   Extensão do dano
•   Grau da culpa
•   Capacidade financeira do ofensor
•   Capacidade financeira do ofendido

Na tabela abaixo é possível ter uma ideia dos valores atribuídos aos procedimentos considerados como antijurídicos pelo TST e o valor da respectiva indenização:
Ato antijurídico
Número do processo
Valor
Anotação de ação trabalhista em CTPS
00480-35.2010.5.24.0001
R$2.000,00
Divulgação de ofensas à imagem de empregado despedido na imprensa, sem nominar a pessoa
623081-76.2000.5.17.0008
R$3.000,00
Queimaduras de 1º grau por condições inseguras
116000-33.2008.5.12.0038
R$4.000,00
Atraso salarial de três meses
32400-09.2009.5.09.0094
R$5.000,00
Transporte de valores por empregado sem qualificação de vigilante
61600-71.2009.5.09.0053
R$10.000,00
Problemas na coluna provocada por queda em serviço
0062600-68 2006.5.04.0662
R$30.000,00
Lide simulada (Dano moral coletivo)
12400-59.2006.5.24.0061
R$50.000,00
Problemas na coluna provocada por queda em serviço
0134400-52.2005.5.04.0611
R$50.000,00
Problemas na coluna provocada por queda em serviço
0014500-52.2009.5.04.0541
R$50.000,00
Assaltos sucessivos (08) à empresa de ônibus, provocando distúrbios mentais
1191740-19.2007.5.11.0013
R$50.000,00
Discriminação por idade
313800-84.2000.5.02.0052
R$100.000,00
Maus tratos e humilhação, como vestir fraldão, fazer flexões etc
99500-47.2007.5.04.0005
R$100.000,00
Amputação completa do braço
030614-20. 2002.5.02.0262
500 S.M

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