Mundo do Trabalho e Crise
POR :Nilton Vasconcelos*
Ao discutir os cenários possíveis do mundo do trabalho no pós-crise, é preciso ter em conta a natureza do desenvolvimento capitalista. O mercado de trabalho sofreu, antes mesmo da crise de 2007-2009, profundos ajustes decorrentes da reestruturação produtiva iniciada ainda no século passado, quadro este agravado com a crescente financeirização da economia que também remonta algumas décadas.
Assim, analisaremos neste texto algumas características que vem assumindo o mercado de trabalho no Brasil e suas perspectivas, sem deixar de observar que o quadro internacional sinaliza para novas crises que se gestam.
A última crise, cuja intensidade estimulou, de início, comparações com a Grande Crise Capitalista de 1929, atingiu em cheio o capital financeiro e se desenvolveu a partir do centro em direção à periferia da economia mundial. Esta particularidade, contudo, não tornou menos perversos os seus reflexos sobre todo o globo. Embora o impacto sobre as economias centrais tenha sido mais intenso num primeiro momento, o alto grau de integração resultante da intensificação do comércio internacional de bens e serviços, e especialmente da atividade financeira, fez com que os seus efeitos chegassem também às economias periféricas, que, em geral, têm estruturas sócio-econômicas mais sensíveis.
O trabalho como um dos fatores essenciais do sistema econômico também padece, refletindo a crise do capital. A força de trabalho como de outras vezes, está entre as primeiras vítimas com o fechamento de oportunidades de emprego, de início nos bancos e no sistema financeiro, em seguida na indústria, na agricultura, no comércio, e nos demais segmentos do setor serviço.
As conseqüências da quebra de instituições centenárias, que arrastou tantas outras empresas para o abismo, não se produzem igualmente, ou de forma homogênea nos diversos países. Ao contrário, as discrepâncias entre as economias das nações, foram acentuadas pelas políticas da fase precedente, fundadas no estímulo à abertura de mercados – genérica e erroneamente chamadas de globalização, de modo que o impacto sobre o mercado de trabalho tende a se manifestar, pelo mesmo mecanismo, de forma mais agravada nas economias menos protegidas e mais frágeis.
Uma das manifestações mais evidentes deste processo é o revigorado protecionismo dos países centrais com políticas anti-imigração, estimuladas pelo nacionalismo e pelo racismo, fazendo retornar aos países de origem trabalhadores antes indispensáveis na execução de tarefas consideradas menos nobres.
Os efeitos da crise, portanto, não alcançam homogeneamente aos trabalhadores pelo mundo afora. Também não se pode afirmar que serão facilmente superados os mecanismos que a deflagraram. A Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, em junho de 2009, salientou a prolongada perspectiva de aumento do desemprego e agudização da pobreza e da desigualdade.
O entrelaçamento entre os setores financeiro e produtivo, elevado a altos níveis, resultou na eliminação de milhões de postos de trabalho. Esta crise chegou num período histórico marcado pela hegemonia das concepções teóricas baseadas na preponderância da lógica do capital e do mercado sobre outras dimensões da atividade humana.
Chama-se aqui a atenção para este acontecimento, também pelo significado intrínseco à própria crise: o socorro organizado pelo Estado capitalista, com recursos públicos, para salvar o mercado e as suas instituições, após décadas e décadas de cantilena sobre o necessário afastamento do Estado do ambiente econômico, em função da sua suposta ineficiência. Circunstância irônica e trágica ao mesmo tempo. Naturalmente, os ideólogos do modelo ora abalado realizam novos malabarismos teóricos para explicar e justificar – à sua maneira – a superioridade do sistema, e, possivelmente (não se deve tomar como surpresa), apontar “intromissões” do próprio Estado, no passado, como fator deflagrador da crise atual.
Ao contrário, esta crise tem sua origem na subordinação do trabalho a outras esferas, notadamente o capital financeiro, e expressa, evidentemente, as limitações de um modelo econômico insustentável.
A contínua desvalorização do trabalho imposta por políticas de cunho neoliberal nas últimas décadas em todo o mundo produziu o aumento do desemprego e da pobreza, e o achatamento salarial. As condições de trabalho se deterioraram – com o incremento da carga horária laboral, a submissão a atividades exaustivas, o crescimento do trabalho eventual e informal, entre outras precariedades. Assim, a insegurança, a desigualdade, a inadequada remuneração e a falta de liberdade, passaram a comprometer uma evolução dirigida à valorização e à dignidade no mundo do trabalho.
Este quadro socioeconômico é agora agravado, e sobre ele devem estar atentos os formuladores de política pública do trabalho. Ampliar as conquistas do trabalho e restringir a influência do mercado através da observância de normas rigorosas parece ser um caminho a ser trilhado. Não se pode imaginar, entretanto, que medidas que não alterem os elementos propulsores da crise possam obter sucesso ao ponto de reverter as tendências já mencionadas. Medidas anticíclicas trazem os genes econômicos do sistema, e não se propõem a alterá-los na essência.
Neste quadro, é um grande avanço o estabelecimento de um compromisso por parte dos mandantes tripartites da Organização Internacional do Trabalho, que decidiram firmar um Pacto Mundial para o Emprego, colocando a geração de postos de trabalho e a proteção social como elementos centrais das políticas econômicas e sociais (OIT, 2009). Propugna-se naquele documento a promoção do Trabalho Decente como estratégia de enfrentamento da crise tendo como base políticas que visem 1) acelerar a criação de postos de trabalho; 2) estabelecer sistemas de proteção social; 3) fortalecer o respeito a normas internacionais; e 4) estimular o diálogo social.
Sem dúvida é indispensável destacar os pontos acima formulados, que serviram de fundamento ao Pacto Mundial para o Emprego, cabendo a cada um dos signatários adequar estes aspectos, evidentemente, às circunstâncias de cada país e ao nível de desenvolvimento das políticas públicas do trabalho. São eixos que tem norteado a atuação da Organização Internacional do Trabalho, cuja reafirmação revela coerência e firmeza de propósitos do mandado que lhe foi confiado.
Em face deste contexto, propõe-se neste texto analisar algumas das características do mercado de trabalho brasileiro e os desafios da superação dos entraves na promoção do trabalho digno no contexto acima referenciado.
O Brasil no cenário do trabalho
Mesmo entre os países em desenvolvimento, especialmente o grupo denominado de BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), observa-se um variado quadro das relações de trabalho, quanto ao grau de formalização do emprego, do nível de desenvolvimento das normas trabalhistas e da proteção social em particular. Esta diversidade revela a complexidade da abordagem do problema em plano mundial, significando dizer que considerada a formulação de caráter geral no âmbito da OIT, e preservada a autonomia de cada país, trata-se de conhecer profundamente as realidades específicas e estabelecer metas factíveis para o enfrentamento dos déficits de trabalho decente, sobretudo, em momento de uma crise de grande envergadura. Vale ressaltar que a promoção do trabalho decente terá tanto mais êxito quanto este conceito puder ser traduzido eficazmente para os contextos nacionais.
No Brasil, registram-se ao longo do século XX importantes conquistas para os trabalhadores do ponto de vista da organização sindical, da regulamentação das relações do trabalho em diversos níveis, incluindo a implantação dos Tribunais do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego. A existência destas instituições assegura políticas públicas continuadas na regulação e fiscalização do trabalho, a manutenção do sistema público de emprego de qualificação e intermediação de mão de obra, do seguro desemprego, das normas sobre saúde e segurança do trabalho, entre outras. É forçoso, entretanto, considerar, que é preciso ampliar a cobertura destes serviços e benefícios, atingindo mais e mais trabalhadores.
Os chamados déficits de Trabalho Decente podem ser observados ao se analisar distintos aspectos da atividade daqueles que vivem do trabalho. Ainda são expressivos, por exemplo, os índices de acidentes de trabalho, cujo número aumentou 13,4% em 2008, comparado com o ano anterior. Foram registradas naquele ano 2,7 mil mortes por acidentes do trabalho em todo o país. Considere-se o agravante que as estatísticas existentes abarcam apenas os segurados, portanto, os acidentes com trabalhadores informais não são contabilizadas (Anuário, 2009).
Entre os jovens, a taxa de desemprego continua alta, representando, em média, duas vezes a taxa de desemprego registrada para os trabalhadores em geral. O desemprego também é maior entre mulheres que homens, apesar do crescimento da participação feminina no mercado. Da mesma forma, há mais desempregados entre negros que entre brancos, assim como, as estatísticas lhes são desfavoráveis quanto ao rendimento e qualidade da ocupação. São aspectos da desigualdade no mundo do trabalho que se deve procurar alterar através da ação do Estado.
É sabido, contudo, que o nosso país tem feito um grande esforço, reconhecido internacionalmente, para enfrentar situações efetivamente aviltantes no ambiente do trabalho, notadamente visando a erradicação do trabalho forçado e do trabalho infantil. Este esforço coordenado pelo governo federal tem sido persistente, a despeito de inúmeras pressões internas, e tem contribuído para o debate nacional sobre a precarização do trabalho e as medidas para superá-la.
No que diz respeito ao trabalho forçado (escravo) obteve-se êxito nas operações de resgate dos trabalhadores da condição degradante, garantindo-lhes todos os direitos trabalhistas, indenizações, seguro desemprego e, mais recentemente, apoio na inserção no mercado de trabalho. Ampliaram-se as punições aos empregadores em cujas terras são resgatados trabalhadores em condição análoga à escravidão, impedindo-lhes o acesso ao crédito oficial, sem prejuízo de penalidades administrativas e judiciais. O crescimento dos resgates de trabalhadores em condição análoga ao trabalho escravo na colheita da cana de açúcar, em particular, tem estimulado o empresariado do setor a estabelecer acordos com o governo federal visando a sua erradicação, inclusive porque a existência daquela prática pode impor sanções econômicas à comercialização da sua produção. Estratégias semelhantes já haviam adotado as empresas siderúrgicas que deixaram de adquirir carvão de empresas em cujas terras tivesse havido resgate de trabalhadores em regime de trabalho forçado.
Além de combater e buscar a eliminação das piores formas de trabalho degradante, o Brasil tem perseguido combater a pobreza e a fome com um vigoroso programa de transferência de renda, destacando-se a abrangência do Programa Bolsa Família que atinge 12 milhões de famílias, em 2009. Além do subsídio mensal, tem sido tomadas medidas complementares de estímulo à inserção produtiva, e a melhoria da qualidade de vida. Ações de qualificação profissional nas áreas de construção civil e turismo, entre outras, visam o público do Programa de modo a contribuir com a sua emancipação. Na atualidade, o observado incremento do consumo das famílias de baixa renda tem sido relacionado à implementação do Programa.
Outra medida de enorme abrangência social é a política de valorização do Salário Mínimo[1] que promoveu, em termos reais, um aumento de 53,67%, entre 2002 e 2010 (DIEESE, 2010). Apenas estas duas medidas, não bastassem os efeitos sociais diretos, tiveram grande impacto na atividade econômica, que pode ser facilmente observado nas regiões mais pobres do país. Assim, diferentemente do que previam aqueles que se opunham à valorização do salário mínimo, não só a medida não causou demissões, como, ao inverso, gerou novos empregos tendo em vista o aumento da atividade econômica.
Com uma população economicamente ativa estimada em 98,8 milhões de pessoas e uma população ocupada de 90,8 milhões de trabalhadores, em 2007(DIEESE, 2009), contabiliza-se um total de 58,8 milhões de empregados no Brasil, incluindo os trabalhadores domésticos[2]. Destes empregados, contudo, uma parte expressiva permanece na informalidade, como veremos a seguir.
Segundo os dados divulgados pelo Ministério de Trabalho e Emprego referentes à RAIS[3], ao final de 2008 contabilizaram-se no país 39,4 milhões empregos formais, entendido como vínculos empregatícios no setor público e privado. A significativa diferença entre o número total de empregados e o estoque de empregos formais, deve ser comparada, entretanto, com a evolução recente da formalização dos vínculos empregatícios. Efetivamente, no período de 2001 a 2008, a geração de emprego formal foi de 13,2 milhões, o que representa mais de três vezes mais o emprego formal gerado em toda a década de 90, segundo o mesmo indicador. Mais relevante ainda é observar que nos últimos oito anos foram gerados 30% do estoque total de empregos formais existentes no país em 2008, segundo o mesmo registro administrativo – RAIS (MTE, 2009). Esta rápida evolução, além de refletir uma conjuntura econômica favorável do país no período em análise, cria a expectativa de que possa ser reduzida ainda mais a informalidade na relação empregatícia, elevando a proteção social daqueles trabalhadores.
No que tange à cobertura previdenciária[4] também se pode constatar avanços. Em 2003, somente 42,9% contribuíam para a Previdência Social, índice que alcançou 50,7% do total da população ocupada total no Brasil, em 2007 (IBGE, 2008). Em números absolutos, os contribuintes da previdência representaram 46,1 milhões de ocupados, em 2007, incluindo empregados, trabalhadores por conta própria e empregadores, sendo o aumento da formalização do emprego o fator que mais impulsionou o resultado.
O esforço brasileiro também pode ser mensurado através da adoção, em 2008, da Convenção 102 da OIT que estabelece parâmetros para a segurança social dos trabalhadores, entre eles os critérios para a concessão de benefícios previdenciários básicos como aposentadoria por idade e invalidez, auxílio-doença, salário-família e maternidade e pensão por morte (OIT, 1998). Como se pode perceber, a importância da decisão brasileira está circunscrita não somente aos compromissos ali sinalizados, mas, tem especial significado por ter sido tomada em um contexto econômico adverso. Foi a 81ª norma da OIT a ser ratificada pelo Brasil.
Outro indicador a ser destacado quando se aborda a questão da proteção ao trabalhador é a abrangência do seguro-desemprego, que é concedido principalmente ao trabalhador dispensado involuntariamente, com pelo menos seis meses de vínculo empregatício[5]. Observa-se um crescimento da concessão, variando de 4,9 milhões para 7 milhões de trabalhadores beneficiados anualmente, entre 2002 e 2008 (CODEFAT, 2009). Evolução esta que guarda proporção com o crescimento do número total de empregos celetistas, ou seja, quanto mais empregos formais, mais beneficiários do seguro-desemprego. O simples crescimento do número de segurados beneficiários não pode, contudo, ser apontado como um número a ser festejado sem que se faça ponderações, como veremos adiante neste texto, visto que reflete também uma grande flexibilidade no mercado de trabalho brasileiro.
Evidentemente, se há resultados positivos a festejar, vê-se um longo caminho a percorrer, sobretudo quando se sabe que os passos seguintes são mais difíceis, não se obtendo melhorias nos indicadores, no mesmo ritmo dos avanços anteriores.
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Os desafios da política pública de trabalho no Brasil
Gerar mais empregos, ampliar o grau de formalização do emprego e a cobertura previdenciária, garantir a proteção do seguro desemprego, eliminar o trabalho infantil e o trabalho escravo, são desafios relevantes na agenda do trabalho. Ao mesmo tempo há outros aspectos que merecem atenção, a exemplo da ainda incipiente a política de promoção da equidade no trabalho, sobretudo quando se compara o desempenho entre sexos e etnias no mercado de trabalho, desfavorável às mulheres, negros e índios. O mercado de trabalho também se mostra restrito para as pessoas com deficiência (PCD) a despeito de toda a legislação que impõe cotas aos empregadores. Da mesma forma, os jovens, principalmente na busca do primeiro emprego, mas também as pessoas de idade mais avançada sofrem com índices mais elevados de desocupação. É indispensável, ainda, estimular as políticas já existentes que levam em consideração as diferenças entre o trabalho urbano e rural, garantindo, por conseguinte, tratamento diferenciado, que proteja as populações rurais, dando condições propícias de vida e produção, principalmente aos agricultores familiares.
Como se vê, embora não sejam características exclusivas do mercado de trabalho brasileiro, sendo comuns estas dificuldades em outras nações, há especificidades a considerar na busca da solução. Neste sentido, deve-se ter em conta não apenas o emprego formal, mas outras formas de ocupação no âmbito do empreendedorismo individual ou associado.
A política pública do trabalho no país só recentemente estimula ocupações através de empreendimentos coletivos, cooperativados, especialmente aqueles trabalhadores mais pobres, que têm dificuldade de acessar o mercado de trabalho, muitos dos quais beneficiários do Programa Bolsa Família. A criação de uma secretaria nacional de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho, representou um avanço, embora ainda faltem fundos consistentes para desenvolver suas políticas. A articulação entre as políticas de desenvolvimento social e do trabalho pode ser uma alternativa que propicie um enfrentamento adequado da questão.
Também o incremento ao microcrédito produtivo e o incentivo à formalização do empreendedor individual são políticas que conduzidas adequadamente poderão oferecer resultados que contribuam para a melhoria geral das condições do trabalho.
Criar mais empregos e empregos de qualidade depende, naturalmente, do crescimento da atividade econômica. Tornar formais os empregos informais é um passo importante para ter mais e melhores empregos, mas é preciso ir adiante. No Brasil esta temática tem sido associada ao debate sobre a normatização das relações de trabalho.
Em certos círculos acadêmicos, políticos e empresariais convencionou-se dizer que um dos entraves ao desenvolvimento brasileiro é o “alto custo do trabalho” imposto às empresas, através dos encargos trabalhistas supostamente elevados, o que exigiria, de acordo com estas concepções, uma “flexibilização das relações de trabalho”. Entretanto, este argumento carece de substância quando se analisa um pouco mais as características do mercado de trabalho. Diferentemente do que sustentam estas teses, é alta a rotatividade entre os empregados formais.
Sobre este aspecto, os dados obtidos no CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados[6] do Ministério do Trabalho são reveladores. Este cadastro, que considera apenas os empregados regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), aponta a existência de um contingente de 31,4 milhões de empregos ao final de 2009, fruto de um incremento em relação ao ano anterior de 995 mil empregos. Significa um acréscimo de 3,11% em apenas um ano. Ocorre, no entanto, que este saldo foi resultante de 16,2 milhões empregados admitidos e 15,2 milhões de desligados. Temos, então, que o equivalente a 50% do estoque total de empregados ao final daquele ano foi demitido! Um número espantoso, que permite concluir que há uma grande flexibilidade no mercado de trabalho brasileiro, contrariamente àqueles que consideram haver regras em demasia, excesso de regulamentação este que desencorajaria as contratações.
É claro que há variadas motivações para este comportamento dos empregadores e empregados, e em muitos casos o desligamento é decorrência de características sazonais de alguns setores econômicos. Mas estes casos não explicam o quadro aqui exposto, que guarda maior complexidade, impactando fortemente a eficiência e eficácia do gasto público, além, é claro, da insegurança gerada entre os trabalhadores. Outro impacto decorrente deste alto nível de demissões é a restrição do investimento privado na formação da mão-de-obra em razão da expectativa de desligamento dos seus empregados. Por tudo isto não se pode considerar aceitável o nível de demissões observado na economia brasileira.
Acrescente-se a isto o fato que dos 15,2 milhões de desligados, em 2008, nada menos que 8,8 milhões foram demitidos sem justa causa, reforçando a necessidade de retomada no Congresso Nacional da discussão para aprovação da Convenção 158 da OIT – que dispõe sobre a dispensa imotivada, e que deixou de vigorar no Brasil em 1997, revogada por decreto presidencial.
Simultaneamente, deve-se ressaltar ser fundamental o aprimoramento das políticas públicas de trabalho, e do sistema público de emprego, particularmente as ações de intermediação de mão de obra e de qualificação profissional. Ampliar as ações de qualificação propicia melhores resultados na intermediação e pode contribuir para uma maior permanência no emprego. No entanto, enquanto cresce o investimento na ampliação da rede federal de educação profissional, com cursos técnicos e superiores de tecnologia, há uma carência de recursos para qualificação profissional. Os cursos de curta duração voltados para responder a demandas imediatas do mercado de trabalho tiveram, ano após ano, as dotações reduzidas, situação que tende a se agravar, com as restrições orçamentárias do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Criado para garantir o custeio do Programa do Seguro-Desemprego e do Abono Salarial, e o financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico, o FAT tem como principal fonte primária de receitas as contribuições para o Programa de Integração Social - PIS, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP. Os recursos do Fundo consomem mais e mais recursos com o pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial anual, reduzindo os dispêndios com o sistema público de emprego, entre os quais figuram as verbas para a qualificação profissional.
A despeito destas e outras questões, objetivamente, o país vem alcançando metas importantes ao superar dificuldades históricas no seu mercado de trabalho, aumentando o número de novos postos de trabalho, ampliando do sistema de proteção social, e o respeito a normas internacionais do trabalho, com a adoção de novas Convenções da OIT. A existência de um ambiente político e institucional favorável tem propiciado o desenvolvimento do diálogo entre empregadores, empregados e governo.
Em um quadro econômico de incerteza, a perspectiva de avançar rapidamente nas conquistas sociais não se apresenta como a hipótese mais factível, entretanto, é razoável considerar que o fortalecimento da democracia no país passa necessariamente pelo enfrentamento de déficits sociais históricos. Cabe ao poder público fortalecer as instâncias de discussão e deliberação, permitindo o surgimento de soluções mais consistentes e duradouras.
Neste sentido, o Programa Nacional do Trabalho Decente criado a partir da Agenda Nacional reafirma as prioridades ali definidas.
Com efeito, no estabelecimento de estratégias de desenvolvimento com inclusão social ─ fundamental para a construção de uma sociedade mais justa – o crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente. Sua efetividade está condicionada à adoção de mecanismos que permitam melhor distribuição das riquezas e melhor qualidade das ocupações ofertadas. Setores produtivos e atividades que concentram a população mais vulnerável, como a agricultura e o trabalho doméstico, por exemplo, também devem ser espaços prioritários de ação.
Aderir à convocação global para o debate do Trabalho Decente é reconhecer o Trabalho como cerne do desenvolvimento e de inclusão social, é reconhecer o valor do Trabalho como aspecto central na nossa sociedade, é apresentar disposição para dirigir esforços a fim de consolidar as conquistas e mobilizar a sociedade para a busca de alternativas para esses desafios.
Considerações Finais
O quadro mundial do mundo do trabalho nas ultimas décadas é de desemprego e subemprego persistentes e a Organização Internacional do Trabalho tem apresentado como única saída para a crise a implantação de programas baseados no Trabalho Decente.
Como se pode observar ao longo deste texto, a promoção do trabalho decente no Brasil implica em superar as peculiaridades do seu desenvolvimento, inerentes à condição de um país que tem grandes disparidades regionais e forte concentração de renda. Um país que precisa vencer limitações históricas para alcançar novos avanços econômicos e sociais. Situar-se adequadamente no quadro das grandes nações implica em promover um crescimento mais equitativo, com melhor condição de vida e trabalho para os brasileiros.
Ampliando as oportunidades de trabalho e a proteção social, o país se esforça para cumprir os seus compromissos com relação às Normas Internacionais, promovendo o Trabalho Decente e enfrentando as causas do trabalho degradante.
Estabelecido um conjunto de instituições, normas e políticas para a proteção do trabalho, o desafio é assegurar conquistas a crescentes contingentes de trabalhadores e avançar na incorporação de outros benefícios, com base em um crescimento econômico socialmente justo e sustentável.
A existência de um ambiente democrático, a consolidação de agremiações partidárias de cunho nacional, a existências de amplas liberdades políticas e de organização social, e eleições democráticas que propiciam a alternância de poder, representa um patrimônio indispensável à valorização do trabalho com promoção de práticas laborais as mais dignas.
A determinação pelo governo federal em estabelecer uma Agenda e um Programa Nacional do Trabalho Decente é de grande valia. Os resultados positivos já obtidos evidenciam o quanto a política pública pode ser bem sucedida, e estimula a adoção de estratégias semelhantes em outras áreas prioritárias.
O surgimento de Agendas em nível subnacional a partir da experiência da Bahia, em estados e municípios brasileiros, sinaliza a possibilidade de se desenvolver em maior abrangência os esforços de articular ações governamentais em diferentes níveis com vistas ao cumprimento dos objetivos norteados pela bandeira do Trabalho Decente, da OIT. Estas iniciativas demonstram que há possibilidade de se estabelecer prioridades ao nível local que complementem ações federais, com caráter inovador contribuindo para o alcance das metas nacionais.
A integração de aspectos da política pública de valorização do trabalho na América do Sul enriquece as experiências nacionais, particularmente aquela que se desenvolve no Brasil, objeto de discussão deste texto.
[1] 46,1 milhões de pessoas tem rendimentos referenciados no salário mínimo.
[2] O restante da população ocupada é formado pelos empregadores, trabalhadores por conta própria, não-remunerados e pelos que trabalham para o próprio consumo ou uso.
[3] A Relação Anual de Informações Sociais - RAIS é registro administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado anualmente, e que atinge aproximadamente 97% do mercado formal do país, incluindo os empregados no regime estatutário e da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas.
[4] Calculada como proporção das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, que contribuem para instituto de previdência social em qualquer trabalho (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
[5] O Seguro desemprego também é pago aos trabalhadores resgatados de condição análoga a trabalho escravo, aos empregados domésticos, ao pescador artesanal em período de defeso e na versão bolsa de qualificação. Observadas condições específicas para concessão do benefício em cada situação.
[6] O CAGED tem como função acompanhar e fiscalizar o processo de admissão e de dispensa de trabalhadores regidos pela CLT, sendo divulgado mensalmente.
[7] Para informações adicionais acessar o Portal do Trabalho Decente em http://www.setre.ba.gov.br/trabalhodecente/
Revista Bahia Análise & Dados
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